Enquanto o setor de bens de luxo mostra sinais de desaceleração na China, várias marcas de perfumes surgiram nos últimos anos e estão ganhando terreno. Embora nomes como To Summer, Documents e Melt Season possam ser desconhecidos dos consumidores ocidentais, eles transmitem uma forte imaginação e inovação. O futuro da perfumaria de nicho está na China?
Há vários meses, reportagens da imprensa revelam as dificuldades que os grupos de luxo estão enfrentando na China. Há muitas razões para essa retração, caracterizada por crescimento mais fraco, aumento do desemprego entre os jovens e oferta superando a demanda. A empresa de consultoria Bain & Company também apontou para o surgimento da “vergonha do luxo” entre os consumidores chineses. Dito isso, algumas marcas estão se mantendo melhor do que outras, assim como certos setores, incluindo perfumes.
Embora muitos ainda acreditem que os consumidores chineses usam pouco ou nenhum perfume, as casas de criação de fragrâncias realmente veem a China como uma futura líder mundial. Nos últimos anos, várias delas estabeleceram centros dedicados ao desenvolvimento de fragrâncias finas. Em 2023, a Symrise abriu o The Little Red House em Xangai, um centro de criação localizado em um edifício projetado por Jean Nouvel. A casa de composição francesa TechnicoFlor, que já opera em Xangai, montou um novo local de produção em Beautéville, o “Vale Cosmético” da China para empresas de cosméticos e fornecedores de embalagens. “Embora as marcas ocidentais operem na China há muito tempo, vimos um enorme crescimento nas marcas locais nos últimos anos”, explica Matthieu Prat, Diretor Executivo da TechnicoFlor China, que visa um crescimento de vendas de dois dígitos até 2024.
Avaliado como o quinto maior mercado mundial de fragrâncias finas no ano passado, o país vem desfrutando de forte crescimento há vários anos: +30% em 2021 e +18% novamente este ano. De acordo com as previsões da Euromonitor, até 2025 a China estará atrás apenas dos Estados Unidos — mas à frente da França, um ícone de fragrâncias. Em um país onde apenas 5% da população usa perfume, há um enorme espaço para crescimento.
O mercado é estimulado por consumidores com menos de 40 anos, que buscam novas experiências e singularidade, explica Takasago. Mas enquanto testes cegos revelam uma apreciação por criações da Dior, Chanel ou Armani, os consumidores mostram uma preferência por fragrâncias de nicho em detrimento de marcas de grife. Esses nativos digitais são menos leais às marcas, confiando mais em líderes de opinião e influenciadores famosos para refinar suas preferências de fragrâncias. Eles também são mais patriotas, contribuindo para o crescimento das marcas chinesas.
Marcas que dominam a narrativa estão florescendo
As marcas chinesas estão cada vez mais abandonando clichês de Paris ou Capri em favor de uma identidade cultural imbuída de guochao, explica a revista online Jing Daily. Essa tendência, que pode ser traduzida como “onda nacional”, promove a herança e a cultura chinesas misturando ingredientes, cores, nostalgia e espiritualidade em uma abordagem emocional moderna e altamente eficaz ao marketing.
Entre as mais comentadas está a Documents. Os frascos cilíndricos da marca, cobertos com tampas em formato de pirâmide, têm nomes como Naive, Snow e Excite 12° — bem distantes das referências a matérias-primas empregadas por marcas de nicho europeias. A Documents levantou várias rodadas de financiamento, e a L’Oréal é uma de suas acionistas.
O grupo francês também investiu na To Summer, cujas fragrâncias evocam ingredientes (chá, osmanthus, tinta), números ou ambientes mais complexos imbuídos de poesia e gentileza. As tampas parecem esculturas ou pedras semipreciosas. A Estée Lauder Companies assumiu uma participação na Melt Season, uma marca elegante “que mistura estética moderna com as tradições olfativas do Oriente”. Muitos nomes são em inglês, como One Day ou Nobody Knows, mas outros evocam a China, como Medog, nomeada em homenagem a uma cidade no Tibete. Os frascos facetados pretos ou translúcidos transmitem códigos semelhantes aos encontrados na perfumaria de nicho ocidental.
Puig investiu na Scent Library, cujas fragrâncias lembram a marca americana Demeter: criações acessíveis baseadas em flores, doces ou aromas mais atípicos, como lápis. Um dos perfumes emblemáticos, White Rabbit, evoca doces de leite. Beast é outra marca da moda: esta loja conceito era originalmente uma floricultura, fundada em 2011 em Xangai. Após o sucesso, a designer começou a oferecer sua própria linha de perfumes e fragrâncias ambientais. Embora ela se inspire principalmente em flores e plantas, sua criação mais comentada é Panda Poo Poo.
Ambições locais ou internacionais?
A Maison Dixsept faz fragrâncias com nomes que soam franceses e ingleses (Le Bonheur, Shanghai Vibe) apresentadas em frascos elegantes. Com um perfumista em Paris e um designer em Nova York “A Maison Dixsept foi criada na China, mas é realmente uma marca global”, explica a designer Catherine Zhou. Com produtos com nomes como Chanson de Peau ou The Vatican Library, a Reclassified é outra marca de nicho que pode não se destacar como chinesa. Fundada em 2013, agora ostenta mais de 100 boutiques na China.
Por outro lado, Zhiwuzhi é uma marca que pode ser difícil para consumidores internacionais entenderem. Alguns dos nomes de fragrâncias da marca têm múltiplos significados, como Buwangchuan, um aroma amadeirado que evoca Sichuan ou a memória de um rio, e Fantianjing, um aroma floral calmante que sugere o paraíso sagrado. Ambas as fragrâncias foram criadas por Mane, assim como os perfumes da Live in Notes. As criações desta última têm nomes mais internacionais como Palladium, Water Lace e Mirror Mirror, e foram apresentadas na França como parte do 60º aniversário das relações franco-chinesas amigáveis.
Para marcar a ocasião, vários eventos estão sendo realizados em ambos os países. Em Hangzhou, a exposição Blooming Grasse está exibindo a expertise floral da cidade francesa. Grasse recentemente recebeu a Liby, uma famosa marca chinesa de produtos de limpeza, para apresentar sua linha Liby Master Perfumer criada pela perfumista da Givaudan, Calice Becker — prova de que o guochao não é a única tendência em voga.
Moderno e acessível
Existem muitas outras marcas notáveis e dinâmicas, como a Boitown, antiga Boitown Paris, que desenvolve criações baseadas em ingredientes específicos (rosa, frutas exóticas, etc.) e ícones culturais europeus, como Capri ou Monet. Outras fragrâncias da marca flertam com o nicho, como Désert en Automne ou Esprit de la Vallée. Barrio, por outro lado, parece borrar sua identidade chinesa com uma abordagem alternativa que inclui formatos mini recarregáveis e designs de produtos originais, como bálsamos de perfume. Enquanto algumas marcas optam pelo minimalismo puro, Assassina não é uma delas. As tampas dos frascos vermelhos ou brancos da marca lembram um ás de copas invertido. A marca tem como alvo consumidoras femininas com preços acessíveis e nomes como Goddess of Night, Secret Fruit e Don’t Leave me Alone que podem lembrar By Kilian.
Mas há limites para comparar marcas chinesas e ocidentais. Por exemplo, algumas marcas locais não têm sites. Da mesma forma, certas fragrâncias são vendidas em eventos únicos, dificultando a construção da fidelidade do consumidor. Outras marcas parecem fazer um nome para si mesmas e depois parecem retroceder. Muitas acabam vendendo na Amazon, AliExpress ou até mesmo na Shein, às vezes a preços baixos, sem dúvida um sintoma de competição intensa e narrativa menos eficaz. “A China é um mercado difícil, com muita competição e evolução rápida”, explica Dao Nguyen, especialista em marketing de beleza na China, apontando para a Scentooze, uma marca de perfumes que recentemente fracassou, apesar de várias rodadas de arrecadação de fundos.
Concorrência com marcas de nicho ocidentais
Esse desejo por perfume também beneficia marcas ocidentais que adaptaram sua imagem aos consumidores chineses, como Jo Malone e Maison Margiela. Para facilitar os lançamentos de produtos na China, elas podem modificar os nomes das fragrâncias e, às vezes, até mesmo das marcas. O mesmo vale para as musas: algumas marcas optam por substituir a celebridade associada ao perfume original por alguém de um gênero diferente.
Michel Gutsatz, fundador da marca Jardin Retrouvé e professor de marketing em Xangai, explica que, além dos grandes grupos, há oportunidades de crescimento para marcas pequenas e bem apoiadas. Suas fragrâncias, por exemplo, são distribuídas pela Harmay, mas a verdadeira plataforma de lançamento da marca foi uma parceria com o influenciador Li Jiaqi por meio de uma sessão de transmissão ao vivo, uma versão moderna do bom e velho telemarketing. Em cinco minutos, ele vendeu 4.000 frascos da fragrância Sandalwood Sacré — um número surpreendente para uma marca de nicho praticamente desconhecida pelos consumidores. Mas outras fragrâncias podem levar mais tempo, com Li Jiaqi fazendo maratonas de vídeo que podem durar mais de 10 horas. Para facilitar as compras por esse canal, Gutsatz recomenda promover pequenos formatos. Outro desafio é a alta taxa de retorno: enquanto neste caso foi de apenas 15%, pode chegar a 50% para alguns produtos.
Outra possibilidade para as marcas é criar “miniprogramas” na rede WeChat para criar um link direto com os consumidores. No ano passado, a Le Labo (Estée Lauder) desenvolveu vídeos experienciais explicando sua expertise ou apresentando ingredientes usados em suas fragrâncias. Esta campanha digital complementou a abertura da primeira loja física da marca em Xangai, que fica em um prédio de dois andares e inclui um café. A fragrância exclusiva Myrrhe 55 é vendida lá.
Para fortalecer sua posição na China, grandes grupos de luxo também podem adquirir marcas chinesas de nicho, como a L’Oréal e a Estée Lauder já fizeram. Para elas, essas marcas impulsionam o crescimento, como evidenciado pela onda de aquisições na Europa e nos EUA nos últimos 10 anos. As marcas de nicho, por sua vez, podem encontrar uma oportunidade de crescimento de exportação, combinando vendas físicas e digitais com códigos mais próximos daqueles das marcas ocidentais. As marcas coreanas tiveram sucesso em demonstrar sua expertise e desejabilidade aos consumidores internacionais — marcas chinesas de nicho podem fazer o mesmo.
Fonte: https://www.formesdeluxe.com/article/what-future-for-niche-perfumery-in-china.64654
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