Perda fica acima das projeções de mercado, com efeito de não recorrentes; CEO diz que recuperação está em andamento

A Casas Bahia teve prejuízo líquido de R$ 1 bilhão no quarto trimestre de 2023, o maior para um único trimestre, e cerca de seis vezes superior ao resultado negativo de R$ 163 milhões um ano antes. Apesar de investidores já esperarem perda forte no período, o montante superou as projeções do mercado, de um negativo entre R$ 700 milhões e R$ 800 milhões, segundo área de análise de bancos.

No consenso da agência “Bloomberg”, a estimativa era de prejuízo de R$ 836 milhões.

O montante supera o recorde apurado no último trimestre de 2019, quando a perda contábil foi de R$ 875 milhões.

No acumulado de 2023, o prejuízo líquido alcançou R$ 2,6 bilhões, maior perda anual desde a abertura de capital, em 2013, e quase oito vezes superior a 2022.

Retornaram aos números do trimestre os efeitos não recorrentes da reestruturação em andamento, de provisões, de renovação de acordos com cartões e de uma forte redução de estoques, que afetou a rentabilidade.

Em entrevista ao Valor, Renato Franklin, CEO da companhia, vê a empresa num processo de recuperação, e tratou de reforçar ações implementadas para tirar a rede da fase ruim.

Houve queda em receita líquida e nas vendas de lojas físicas e do on-line (inclui produtos próprios da rede e de terceiros, pelo marketplace), algo que o mercado já projetava, dentro das prévias estimadas pelos bancos.

A receita líquida foi de R$ 7,4 bilhões de outubro a dezembro, retração de 16% em relação a 2022, em termos contábeis. O consenso da “Bloomberg” era de receita em R$ 6,6 bilhões. Esses números de receita não excluem fatores não recorrentes.

No on-line, as vendas brutas totais, que considera estoques próprios vendidos e de lojistas do marketplace, caíram 21%, para R$ 3 bilhões no trimestre — reflexo do recuo de 22% de produtos da própria rede do grupo.

As lojas físicas encolheram, em vendas, 12,4%, para R$ 5,7 bilhões, afetado pelo fechamento de pontos e demanda em desaceleração.

Existe a forte base de comparação por conta da Copa do Mundo no fim do ano anterior, mas o desempenho das lojas reflete, em grande parte, um cenário mais restritivo de demanda, menor disponibilidade de crédito para o consumidor e fechamento de lojas.

Atenção em estoque e dívidas

Analistas já previam números ruins, portanto, a atenção dos investidores para o quarto trimestre, com os dados publicados, deve se concentrar no tamanho da redução de estoques, no efeito dessa queima de volume na margem, assim como no impacto da baixa de passivos trabalhistas.

Queima de estoques pode, eventualmente, melhorar receita, mas afeta rentabilidade. No quarto trimestre frente um ano antes, houve redução de R$ 1,2 bilhão em estoques.

O recuo nos estoques no quarto trimestre versus o segundo trimestre foi de R$ 1,4 bilhão.

De outubro a dezembro, ocorreu a redução de parte remanescente desse estoque nas lojas e no on-line, gerando impacto de curto prazo no lucro bruto de R$ 105 milhões. O efeito no lucro antes do imposto de renda também foi de R$ 105 milhões.

A margem bruta da empresa passou de 29,3% para 27,6%, queda de 1,7 pontos.

Processo de recuperação

Franklin disse em entrevista na noite desta segunda-feira (25) que a empresa ainda está num processo de recuperação dos resultados dentro do plano de retomada apresentado no segundo trimestre de 2023.

Esse plano passa por fechamento de lojas, demissões, corte em estoques mais antigos, saída na venda de categorias fora do “core” e melhora da estrutura de capital.

Segundo Franklin, sobre a redução de estoques em excesso na empresa, “o saldão de produtos acabou”, diz. “Tudo que projetávamos de pesado já foi feito, o que teremos para frente é o normal da operação“.

A respeito da estrutura de capital, a Casas Bahia tinha R$ 5,7 bilhões em endividamento bruto e R$ 3,5 bilhões em caixa, aplicações, cartões de crédito, restando uma dívida líquida de R$ 2,2 bilhões (inclui risco sacado). Isso é mais de três vezes a dívida líquida de um ano atrás.

Ao mesmo tempo, o valor do Ebitda caiu pela metade — era R$ 2,4 bilhões no quarto trimestre de 2022 e foi a R$ 1,2 bilhão neste ano, piorando o indicador de alavancagem que mede relação de dívida líquida e Ebitda.

Apesar desse cenário, Franklin reforça as negociações recentes com bancos que estenderam prazo de pagamento, e que devem melhorar a percepção do mercado frente à empresa, diz ele.

Dias atrás, houve o anúncio de alongamento de prazos de dívidas com instituições financeiras, algo que já tinha acalmado de certa forma os analistas, reduzindo risco de pressão dos bancos sobre vencimento de dívidas.

Conseguimos estender prazo para pagamento em três anos, o que antes não conseguíamos nem seis meses. Com isso feito, podemos, agora, sentar na mesa e ir melhorando mais nossas condições de crédito”, diz o CEO da varejista.

Foi realizada em setembro a captação de R$ 623 milhões em oferta de ações, e houve novas captações de R$ 682 milhões com instituições financeiras ao longo no quarto trimestre. E foi fechado o alongamento do vencimento de dívida no montante de R$ 1,5 bilhão que venceriam no curto prazo para três anos, ao custo de CDI + 4% ao ano e carência de 18 meses.

Fechamentos e demissões

Dentro dessa tentativa de sair do prejuízo, a Casas Bahia fechou 55 lojas em 2023, e 17 no quarto trimestre, para reduzir a base de pontos deficitários ou com margens negativas. A proposta da empresa é fechar de 50 a 100 lojas e uma parte já foi encerrada, portanto.

A rede fez ainda “readequação” de quatro centros de distribuição, e demitiu 2,6 mil pessoas no trimestre.

Em 2023, foram dispensadas 8,6 mil pessoas e eliminados 42% dos cargos de alta liderança.

Ainda entra na conta do quarto trimeste o efeito do Difal, o diferencial de alíquota de ICMS, efeito verificado em boa parte das varejistas nesse período.

No fim de 2023, ministros do STF entenderam que a cobrança do Difal do ICMS só poderia ser retomada em abril de 2022, e não em 2023, como defendiam as empresas. O diferencial de alíquotas é usado para dividir a arrecadação do comércio eletrônico entre o Estado de origem da empresa e o do consumidor.

Franklin diz que a empresa decidiu provisionar o Difal, adotando viés mais conservador, e que essa pressão já foi repassada para preços em 2023.

Sobre a provisão nessa linha, a Casas Bahia sentiu impacto negativo não recorrente no valor de R$ 197 milhões na linha de outras receitas e despesas operacionais, e R$ 24 milhões no resultado financeiro vinculadas à riscos tributários relacionados ao Difal. No lucro antes de imposto de renda, o efeito foi de R$ 220 milhões.

A respeito da possibilidade de venda de ativos para melhora do cenário de caixa na empresa, que poderia envolver lojas, Franklin diz que a companhia “não está no desespero” e vai vender pelo “valor justo”, algo que o mercado não está pagando hoje.

O executivo tratou de reforçar aspectos positivos do plano de reestruturação da empresa, como o avanço de um projeto na área de publicidade digital, com o “Casas Bahia Ads” (são 20 contratos hoje) e a geração de uma economia de R$ 30 milhões com a redução de cargos de liderança no quarto trimestre.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/03/25/casas-bahia-tem-prejuizo-de-r-1-bi-no-4o-trimestre-o-maior-da-historia.ghtml

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